sábado, 18 de junho de 2011

Especial corpo & mente

Os erros dos pais na hora da comida – como driblar a (exasperante) recusa das crianças a alimentos saudáveis

Rogério Cassimiro
SEMPRE IGUAL
João, de 4 anos, à mesa do almoço, em casa. Basicamente, ele só come o que se vê nesta foto
O almoço e o jantar de João Francisco, de 4 anos, são sempre iguais: um prato com frango empanado e batatas, ambos industrializados, e um copo de suco de limão sem açúcar. João nunca provou uma salada e diz que não gosta de legumes crus nem cozidos. A mãe até prometeu uma viagem à Disney se o filho provasse alface. João não se comoveu. Sempre que ela oferece algo novo, ele recusa. O cheiro da comida às vezes causa nojo ao menino e, nessas ocasiões, ele é capaz de desistir até do pouco que costuma aceitar.
O comportamento de João é extremo, mas não é raro. Quase toda criança em algum momento da infância terá um período alimentar difícil, alertam os pediatras. A recusa a alimentos pode começar na transição da papinha para o alimento sólido. Em geral, piora aos 2 anos, quando o ritmo de crescimento diminui, e se torna mais crítica quando a criança percebe a importância que os pais dão ao prato de arroz com feijão. Costuma melhorar depois da fase pré-escolar, que vai até os 6 anos. Mas pode se estender até o início da adolescência. A duração e a intensidade dessa fase dependem não só do temperamento e da sensibilidade da criança, mas, sobretudo, da maneira como a família tratar essa rejeição.
Um estudo da Universidade de San Diego, publicado no mês passado, mostra que esse fenômeno da infância, chamado neofobia alimentar, pode levar a hábitos adultos pouco saudáveis. “O pai que ceder aos desejos do filho e trocar o prato de comida por um sanduíche abre um precedente perigoso”, diz Marilyn Jones, uma das autoras da pesquisa. “A criança passa a exigir os alimentos que prefere. Ela diz não a verduras e legumes porque quer o biscoito, o salgadinho, a mamadeira.”
Mas o que fazer se a criança diz que não quer comer salada e que detesta legumes? O principal conselho dos especialistas é não se exaltar ou chantagear a criança para que ela coma. Também não se devem substituir o arroz e o feijão pelo sanduíche ou pela batata frita. “Aceite o não de seu filho. Ele não vai ficar doente ou desnutrido por não almoçar”, afirma o pediatra nutrólogo Mauro Fisberg, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). De um modo geral, diz ele, as crianças cedem na próxima refeição. “O problema é que os pais cedem antes”, diz Fisberg. Apela-se para as trocas (“Só vai brincar se raspar o prato”) e até recompensas (“Compro o brinquedo se você comer tudo”). A refeição se torna um momento de barganhas. Num cenário como esse, como ensinar os pequenos a fazer escolhas certas?
Mães que estendem a amamentação além dos 6 meses e iniciam uma transição gradual para os alimentos sólidos costumam ter filhos com paladares mais receptivos, revelam três estudos produzidos pela Universidade da Califórnia. A predileção pelo doce, no entanto, parece ser genética. “Mas é possível moldar o paladar para se satisfazer com pouco doce”, diz Salete Brito, nutricionista do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela recomenda oferecer suco sem açúcar e evitar doces sempre que possível, especialmente até os 2 anos de idade, um momento especial da infância. A criança tende a reproduzir o padrão desse período quando for maior.
É comum os pais se preocuparem com a qualidade da alimentação dos filhos quando a criança começa a engordar ou está magra demais. Há, no entanto, um batalhão de crianças como João Francisco que crescem e engordam como recomendam os manuais, mas que não comem de forma saudável. Essas crianças podem ter problemas de colesterol alto, diabetes e até desnutrição. É o caso de Fernando Dutra, de 9 anos. Ele come de tudo. Seu peso e altura são ideais para a idade. Mas todo dia, depois do futebol, ele costumava tomar um refrigerante, comer um cachorro-quente, uma massa folhada e uma bomba de chocolate. Um exame de rotina revelou que seu colesterol está 30% acima do limite considerado saudável para sua idade. A mãe teve de rever os hábitos do menino. Hoje, depois do treino, ele come um sanduíche natural, uma barra de cereal e toma um suco. “Só pode abusar uma vez por semana”, diz a mãe, a economista Regina Dutra.
A busca por hábitos alimentares saudáveis começa com o envolvimento de toda a família. É preciso ter horários e regras para as refeições: as crianças devem saber o que vão comer, quanto podem comer e em que horários. É o que diz o manual Filhos – De 2 a 10 anos de idade, publicado neste mês pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Segundo o pediatra nutrólogo Fabio Ancona Lopez, um dos organizadores do manual, pode-se abrir exceção para um bombom de vez em quando. “A criança precisa saber que aquele bombom foge ao padrão”, diz ele. O manual ensina que deixar os doces e sanduíches para quando se come fora de casa é uma boa estratégia. E combinar com a criança as quantidades costuma dar certo.

A segunda tática é variar o modo de preparo dos alimentos. A cenoura que a criança rejeitou cozida deve ser oferecida ralada, em miniatura e também em bolinhos, em intervalos de pelo menos cinco dias. “Pais que desistem ao primeiro ‘não gosto’ cometem um erro grave”, diz a nutricionista Rita Cherutti, especialista em psicologia e comportamento 

alimentar. Experiências científicas mostram que se deve oferecer o mesmo alimento no mínimo 15 vezes – e só então concluir que a criança de fato não gosta dele. A tradutora Fátima Aguiar conseguiu avanços dessa forma. Sua filha, Tabata Nunes, de 5 anos, que recusava legumes, já come bolinho de cenoura e panqueca com beterraba. “Fiz uma panqueca com um tom rosa”, diz a mãe. “Eu disse que era o sanduíche da Barbie, e ela adorou.”
Quanto mais lúdica for a relação da criança com o alimento, mais chance ela terá de aceitá-lo. Vale deixá-la comer brócolis com as mãos e reservar algum momento para preparar com ela uma receita de bolo. “Deixe-a quebrar um ovo, mexer a massa e até raspar a tigela”, diz a nutricionista Suzana Franciscato. “Termine a brincadeira com um piquenique no meio da sala.” Dona de um espaço em que desenvolve atividades de culinária, ela propõe jogos e até exibe peças teatrais para as crianças. A temática é sempre alimentar. “Dar a elas informação sobre os alimentos é a única forma de garantir que façam boas escolhas no futuro”, afirma.
Os pediatras reconhecem que alimentar uma criança não é fácil. Elas manifestam vontade e opinião própria bem cedo. Mas o desafio de fazê-las comer bem se torna mais difícil à medida que os pais cedem a seus desejos. Se você está nessa fase, considere uma vitória se ela apenas experimentar. Suportar a birra e até a queixa de fome por um dia pode garantir almoços felizes no futuro.

   Reprodução

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