sábado, 18 de junho de 2011

Especial corpo & mente

   Reprodução

Os maus hábitos alimentares na infância criaram uma geração de novos obesos no Brasil. Como ensinar as crianças a comer direito

Marcos Lopes/ÉPOCA, Produção culinária: Lu Fagundes, Tratamento de imagem: Caio Vasques, Cabelo e maquiagem: Letícia de Carvalho
FICÇÃO POSSÍVEL 
Menino posa com buquês de brócolis. Os pais gostariam de ver essa cena em casa, de verdade
Um menino de 5 anos nascido na década de 1970 podia se sentir seguro para encarar os valentões da escola se tivesse 1,08 metro – a altura média entre seus coleguinhas na época. Hoje, são necessários pelo menos 4 centímetros a mais para se garantir. A espichada, que se repetiu em outras faixas etárias e equiparou o crescimento de nossas crianças à média mundial, é um indicador de que o prato dos brasileiros nunca esteve tão cheio. Nos últimos 20 anos, o número de desnutridos crônicos caiu de 19,6% para 6,8%.
Só que o crescimento vertical dos brasileirinhos veio também acompanhado de um vertiginoso crescimento lateral. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que, nos últimos 30 anos, triplicou o número de crianças com idade entre 5 e 9 anos acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje, 33,5% pesam mais do que deveriam. Pelo menos 14% delas já são consideradas obesas.
Alarmados com estatísticas como essas, autoridades de saúde pública, médicos e nutricionistas de vários países passaram os últimos anos esquadrinhando o comportamento e os hábitos das famílias. Descobriram como os costumes alimentares – bons ou ruins – pesam na balança. Acabaram produzindo recomendações para pais que querem rechear o prato e a vida dos filhos de saúde. Nesta edição especial Corpo & Mente, ÉPOCA traz medidas simples e eficazes para melhorar a alimentação das crianças. Apresentamos as raízes psicológicas dos maus hábitos alimentares, descrevemos os cardápios adequados para as crianças e discutimos, por meio de exemplos, como é possível fazer uma boa educação do paladar.
Hoje, o cardápio da maior parte das crianças está desajustado. Elas comem pouco daquilo que deveriam: leite e derivados, frutas e verduras, arroz e feijão. E excessivamente daquilo que não deveriam. O refrigerante substituiu o leite, os lanches tomaram o lugar das refeições, doces e balas são ingeridos a toda hora... O resultado é uma nova forma de desnutrição na abundância. “É o que chamamos de fome oculta”, diz a nutricionista Fernanda Pisciolaro, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica. “As crianças estão carentes de micronutrientes, como vitaminas e minerais, e não de energia.” A sensação é de barriga cheia, mas o corpo sente a falta de nutrientes importantes.
A mudança dos hábitos alimentares está ligada ao aumento da renda das famílias nos últimos anos. O número de crianças obesas e acima do peso aumenta à medida que a renda das famílias cresce (leia o quadro abaixo). Os ponteiros da balança sugerem que, vencida a primeira batalha – pôr comida no prato de milhões de brasileiros –, é preciso atacar um novo problema: a qualidade da alimentação.
Ao se tornar acessíveis, os alimentos industrializados promoveram uma revolução negativa. “O consumo desses produtos virou sinônimo de status”, diz o pediatra Claudio Leone, da Universidade de São Paulo. As refeições ganharam o reforço de massas prontas, empanados de carne, hambúrgueres. Conquistaram as crianças pelo sabor e os pais pela praticidade. “Ficou mais fácil alimentar filhos lançando mão da oferta gritante de alimentos industrializados”, diz a nutricionista Cristina Pereira Gaglianone, da Universidade Federal de São Paulo, atualmente na Universidade Central da Flórida, nos Estados Unidos.
O empenho em aprimorar a alimentação infantil deriva de estudos científicos que mostram como a dieta equilibrada faz mais do que apenas garantir silhuetas esbeltas. Ela também influencia o desenvolvimento da inteligência. Neste mês, pesquisadores da Universidade de Bristol, na Inglaterra, publicaram um estudo que relaciona os hábitos alimentares à inteligência. Numa pesquisa com 4 mil crianças de 8 anos, concluíram que aquelas cuja alimentação era rica em açúcar e gordura tinham 2 pontos a menos no quociente de inteligência. O efeito foi preponderante nas crianças que tinham alimentação pior até os 3 anos, fase em que o desenvolvimento cognitivo é acelerado.
O padrão alimentar também pode favorecer a concentração e melhorar o desempenho escolar. Num estudo com 120 adolescentes, o psicólogo britânico David Benton, da Universidade Swansea, no País de Gales, concluiu que as meninas que consumiam mais junk food tinham deficiência de vitamina B1 e se mostravam irritadiças. Depois de dois meses recebendo 50 gramas diárias da vitamina (que atua no sistema nervoso), as meninas relataram mais disposição e facilidade para organizar as ideias.
Tornar o prato das crianças mais saudável pode ser a chave para prevenir o aparecimento de doenças no futuro. As generosas porções de açúcares e gorduras que fazem refrigerantes, biscoitos e salgadinhos irresistíveis ao paladar também alteram o funcionamento do organismo. Aumentam a quantidade de açúcar no sangue e favorecem o acúmulo de gordura nas artérias, fatores que podem levar a criança a desenvolver doenças como diabetes e hipertensão. “Muitas crianças não são obesas, mas estão com níveis de gordura elevados no sangue, por causa da dieta inadequada”, diz a pediatra Lilian Zaboto.
“A alimentação desregulada de hoje pode originar uma geração de adultos doentes no futuro”, diz a cardiologista Rosa Celia Barbosa, fundadora do projeto Pro Criança Cardíaca, no Rio de Janeiro. Ela nota nas crianças que chegam a seu consultório as consequências da alimentação inadequada. Dos 2 mil pacientes atendidos por sua equipe, pelo menos 50% apresentam nível de gordura no sangue superior ao recomendado. Nos Estados Unidos, o resultado de um estudo conduzido pela pediatra Geetha Raghuveer, pesquisadora da Universidade do Missouri-Kansas, causou surpresa. Geetha analisou a espessura interna das artérias que levam sangue do coração ao cérebro em 70 crianças com mais de 6 anos. Descobriu que, por causa do acúmulo de gordura, as paredes dos vasos tinham 0,45 milímetro, espessura compatível com a de adultos de 40 anos.
Tais estudos sugerem um futuro tenebroso, caso a obesidade infantil não seja contida. Trata-se, porém, de uma realidade que felizmente podemos mudar. A melhor receita para ensinar as crianças a comer direito é uma mistura de educação e informação. Um bom começo você encontra neste especial.

Com uma mistura de exemplo, disciplina e criatividade, o casal Zardetto conseguiu transmitir bons hábitos alimentares aos filhos. Descubra o que é possível aprender com eles
 Filipe Redondo/ÉPOCA

GELADEIRA CHEIA
A mãe, Cristina, o pai, Ruy, e os filhos, Rafael
 (à esq.) e Marco (à dir.), exibem o conteúdo da geladeira. A família evita guloseimas
Os irmãos Marco, de 11 anos, e Rafael Zardetto, de 7, são daquelas crianças que a professora pega como exemplo. Não pelas notas – apesar de elas estarem acima da média –, mas pelo que levam na mochila: tomate-cereja, cenouras cruas, sanduíches naturais, frutas e até salada. No almoço, comem uma variedade de verduras e legumes de dar inveja a professoras de ioga. Como os pais, Cristina, uma dentista de 39 anos, e Ruy Zardetto, de 46, dono de uma oficina mecânica, conseguiram a façanha?
Calma. Eles não são de outro planeta. A família Zardetto come carne, há cookies no armário da cozinha, ketchup na geladeira e sorvete no freezer. As crianças sabem o que é pizza e sanduíche do McDonald’s – e adoram. Rafael gosta de bala. Marco não rejeita chocolate. O que os torna diferentes da maioria é a predileção por alimentos saudáveis. Marco já levou cenouras e salada de alface para a festa de Halloween da escola. Rafael, o mais novo, também se habituou aos comentários surpresos dos amigos. Ele devora ao menos quatro tipos de fruta por dia. “Acho gostoso e estou acostumado”, afirma.
Na casa dos Zardettos, fritura é exceção. A mãe não compra biscoito recheado nem refrigerante. Evita embutidos, congelados e temperos prontos. Há opções de grãos integrais, frutas secas, tudo à mão. O exercício da alimentação saudável começou cedo. Cristina fazia a papinha dos meninos sem misturar os legumes. “Eu queria que eles sentissem o sabor de cada um”, diz. Com pouco mais de 6 meses, Marco e Rafael eram estimulados a comer legumes e frutas com as mãos. Os meninos faziam sujeira, lembra a mãe, mas aprenderam a brincar e gostar dos alimentos. Até quando foi possível, Cristina evitou salgados fritos, balas e doces em geral. A exposição tardia a esses alimentos, acredita, pode ter influenciado o paladar dos filhos. Marco pediu refrigerante pela primeira vez aos 5 anos. Rafael provou o primeiro brigadeiro mais cedo, com 1,5 ano. Cristina nunca os proibiu de comer nada. Mas não ter esses alimentos em casa contribui para que sejam exceção na dieta.
A família inteira costuma ir ao sacolão. As crianças experimentam tudo o que é comprado. Quando decidem passar o dia no parque, levam lanche de casa. Na cozinha há um quadro branco com algumas regras de convivência. Elas foram escritas em caneta preta por Rafael: não gritar pela janela e só dizer palavras bonitas. Além dessas, a mãe exige outras: horários para as refeições e alimentos certos para cada uma delas. O ketchup, a pizza e os doces são regulados.
Como boa parte das crianças, os meninos passaram por fases de resistência alimentar, recusando novidades e alimentos saudáveis. Ainda hoje acontece de torcerem o nariz para algo a que não estão habituados. São crianças, afinal. Diante disso, Cristina e Ruy tentam de novo no dia seguinte ou renovam a receita. Também pedem ajuda das crianças na cozinha. Rafael conta orgulhoso de sua obra recente. “Criei um bolo chamado bacanela”, afirma, sobre um doce que leva banana e canela. Estimular as crianças, no entanto, tem limites. Firmeza e autoridade também são parte importante da dieta. “Se não comer, vai ter de esperar a próxima refeição”, diz o pai. “Não tem negócio.”
Todos na linha
Os 10 bons hábitos da família Zardetto
1.A refeição sempre acontece com a presença de um adulto. Quando a mãe não acompanha, a avó é escalada para almoçar com eles

2.As crianças fazem o supermercado com os pais e são estimuladas a escolher novidades para experimentar, como uma nova espécie de uva

3. Não há biscoitos recheados, balas ou salgadinhos no armário. Esses alimentos só são consumidos fora de casa, em aniversários

4.Há um quadro de aviso na cozinha com regras de boa convivência, como falar palavras bonitas e não gritar pela janela

5.A fruta da sobremesa sempre está na mesa, com o arroz, o feijão e os demais acompanhamentos. Isso evita que as crianças peçam uma guloseima

6. Eles só comem fora de vez em quando. Uma ou duas vezes por mês vão ao restaurante ou comem pizza em casa

7. As crianças costumam preparar receitas com a mãe. Já inventaram receitas de bolo com banana e canela

8.Ninguém é obrigado a comer o que não gosta. Mas a mãe não prepara alimentos especiais para cada filho nem pergunta o que eles desejam comer

9.Os pais exigem postura das crianças à mesa. A mãe chama a atenção se elas estão debruçadas à mesa ou não se sentam corretamente para comer

10.Levam lanche de casa quando vão para a escola ou saem a passeio. É uma forma de evitar alimentos pouco nutritivos


Nenhum comentário:

Postar um comentário

  MATRÍCULAS 2023 Acesse nosso WhatsApp pelo link e deixe seu nome e série pretendida para matrícula, para que nossa equipe entre em contato...